Protagonismo internacional, autoconhecimento e o futuro da USP
Hamilton Varela, Dr. rer. nat.
Professor Titular do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP)
Publicado no Jornal da USP em 15.10.2021
https://jornal.usp.br/?p=463670
Um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento das bases da termodinâmica no século XIX, o britânico William Thomson, também conhecido como Lorde Kelvin, é o autor das máximas “Medir é conhecer” e “Aquilo que não se pode medir, não se pode melhorar”. Rankings universitários são frequentemente utilizados como medida do desempenho de alguns aspectos das universidades. De fato, a reputação, e consequentemente a atração de estudantes e captação de recursos públicos e privados, dependem em certa medida do desempenho nos rankings.
A figura a seguir ilustra o desempenho da Universidade de São Paulo, a melhor universidade do Brasil, em três rankings internacionais: Academic Ranking of World Universities (ARWU), também conhecido como Shanghai Ranking, Times Higher Education (THE) World University Ranking e o QS World University Ranking, a partir de 2017. No recorte mostrado, a USP subiu de grupo nos rankings de Shanghai e THE, e caiu à posição mais baixa no período na avaliação de 2022 do QS. Grosso modo, o desempenho da USP nesses rankings pode ser classificado como estável com uma leve flutuação positiva.
Um contraponto interessante à aparente estagnação da USP é o desempenho das universidades chinesas. Na edição de 2021 do Times Higher Education, a Tsinghua University tornou-se a primeira universidade chinesa a figurar entre as vinte melhores do mundo. Na edição de 2022, a Pekin University juntou-se ao time das top 20, ocupando a décima sexta posição, empatada com a universidade de Tsinghua. Nessa edição do THE, a China já conta com seis universidades entre as top 100. Em 2018 eram apenas duas e há evidências claras que em breve a China estará no grupo seleto das dez melhores universidades do mundo. A receita do sucesso chinês envolve planejamento de longo prazo, investimentos crescentes em pesquisa e desenvolvimento, envio perene, há muitos anos, de estudantes ao exterior e política competitiva de contratação de pesquisadores talentosos, incluindo a repatriação de cientistas chineses bem estabelecidos. Algumas dessas medidas são facilmente aplicáveis ao cenário brasileiro e fariam um bem enorme por aqui.
As informações disponíveis nos rankings universitários vão muito além de uma mera comparação das posições relativas ou a evolução temporal do desempenho. Entender os critérios de avaliação utilizados nos diferentes rankings pode, por exemplo, ajudar a entender o que se valoriza numa universidade. No World University Ranking da THE, o ensino entra com peso de 30% na nota final; a pesquisa (volume, receita e reputação) contribui com 30%; a influência da pesquisa, medida pelas citações aos trabalhos publicados, com 30%; a internacionalização corresponde a 7,5%; e os recursos provenientes da transferência de conhecimento a 2,5%. Os pesos relativos desses itens variam quando o foco é regional ou um grupo específico de países. Por exemplo, no ranking das universidades das economias emergentes da THE, o peso das citações cai para 20% e os itens internacionalização e recursos oriundos da transferência de conhecimento sobem para 10% cada. Segundo a metodologia do ranking, a diferença nos pesos tem como objetivo “refletir as prioridades de desenvolvimento das universidades nas economias emergentes”. Essa mudança de peso, por si só, já suscita algumas reflexões: quais são as nossas prioridades? Como essas prioridades se inserem nos contextos nacional, regional e global? A propósito, na edição de 2021 das universidades de países emergentes a USP é a universidade brasileira mais bem classificada e ocupa a décima terceira colocação. As cinco melhores são chinesas.
Por aqui há importantes iniciativas de acompanhamento de vários rankings internacionais. O projeto Metricas.edu, liderado pelo professor Jacques Marcovitch (Reitor da USP entre 1997 e 2001), monitora um conjunto de publicações de classificações internacionais, disponibiliza análises e notas técnicas, e realiza uma série de eventos sobre o tema. Na USP, o Egida, Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico, compila e monitora rankings e indicadores e tem como objetivo justamente contribuir para o autoconhecimento institucional.
Em suma, temos dados, análises e sabemos onde a USP está no cenário internacional. É oportuno discutir para onde queremos ir. Entender as várias nuances das distintas avaliações internacionais e suas métricas é fundamental se quisermos ter mais projeção e mais protagonismo na comunidade acadêmica internacional. Os efeitos colaterais desse debate podem impactar positivamente atividades-fim e atividades-meio da USP, contribuindo, por exemplo, tanto para a organização da pesquisa em torno temas estratégicos, quanto para a gestão universitária, induzindo a adoção de boas práticas administrativas, eventualmente alinhadas aquelas em voga nas melhores universidades do mundo.